sexta-feira, abril 21, 2006

 

Crônica

“Um bebê de um ano e três meses morreu asfixiado na tarde desta quinta-feira, com queimaduras pelo corpo de primeiro e segundo grau, após ficar cinco horas dentro de um carro estacionado em Santana, zona norte de São Paulo. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado, o pai da criança a esqueceu dentro do veículo.” (Terra, visitado no dia 14 de abril de 2006)


Quando a gravidez tornou-se nítida a mãe dela pressionou, pressionou até os dois se casarem. Ele já vinha de um casamento frustrado com uma socialite metida a psicóloga que adorava analisar a vida de todos nas festas que dava freqüentemente no seu “apê” num bairro nobre da cidade. Depois do divórcio, ele montou sua própria escola de música. Ela havia entrado na aula de canto para satisfazer a vontade da mãe que sempre quis ver a filha famosa. Aos poucos foi pegando gosto pela coisa e já conseguia, inclusive, alcançar tons bem agudos sem desafinar. Vinda de família tradicional, Ela quase não saía de casa, nem tinha amigos do sexo oposto, suas principais amizades eram membros de sua família. Era apática, quase não pensava em namorados ou sobre o amor, sabia pouco sobre isso. O máximo de experiência que tinha, ao longo de seus 17 anos, eram as histórias que ouvia das primas e de algumas tias. A mãe não confiava em ninguém a não ser nela mesma e no fiél cão labrador.

A escola de música faria participação em uma premiação importante. Os ensaios tornaram-se diários e, não raro, algumas aulas acabavam sendo individuais, devido à dificuldade em conciliar horário. A mãe dela não gostava nem um pouco do fato de um homem ficar por mais de uma hora sozinha com a filha, mas como a idéia das aulas havia partido dela, teve que manter sua posição, pois não voltava atrás jamais. O dia da premiação finalmente chegou. Tudo ocorreu bem, o sucesso foi total. Ela estava particularmente linda naquela noite: cabelo liso, solto e maquiagem combinando com o vestido preto de alça. Ele nunca havia visto ela tão bonita, estava acostumado a ver sempre com calças largas e cabelo desgrenhado. Sentiu uma vontade enorme de beijá-la, de possuí-la, mas Ela não se sentia muito confortável com o salto e nem com o cabelo em seu rosto. Depois da apresentação ele a levou para casa.

- Você está muito bonita hoje
- Obrigada, respondeu Ela apreensiva olhando para fora da janela do carro
Ele tocou o rosto dela e se entreolharam. Num momento de ímpeto, sem que Ela tivesse tempo de pensar, ele se aproximou e a beijou. Ela, apática, não reagiu, deixou apenas ser conduzida pelo beijo e aquela cena passou a se repetir mais e mais.

As “aulas de canto” começavam mais cedo e terminavam mais tarde. A desculpa dada à mãe era que como Ela já estava passando para uma turma adiantada, precisava se dedicar algumas horas a mais, pois a mãe jamais aprovaria a relação entre os dois. Os beijos começaram a ficar cada vez mais quentes e ele a pressionava, buscando intimidades maiores, até que um dia Ela cedeu. Da mesma forma apática que reagiu ao beijo, reagiu a ele tirando sua roupa, deixou apenas que ele a conduzisse.

Depois desse dia, ele não ia mais aos lugarem em que eles se encontravam e nas aulas a tratava como uma outra aluna qualquer. De uma hora para outra Ela passou a sentir nojo dele, sentia-se usada, como um objeto. Não ia mais às aulas, ficava o dia todo trancada em casa. A mãe queria saber porquê não ia mais nas aulas de canto, mas Ela despistava, dizia que os ensaios estavam suspensos por enquanto. No entanto depois de alguns meses, foi impossível esconder. A barriga magra crescia mês após mês. A mãe sem reação, só pensava em ir atrás do responsável por aquilo e com toda sua convicção italiana e seus contatos judiciais “convenceu” o professor a casar com sua filha.

Meses depois, nasce o bebê. Ela, no entanto, não conseguia amá-lo, sabia que ele era descendente daquele homem a quem tanto ela enojava mas que, por motivos de força maior, tinha que permanecer casada. Entrou em depressão pós-parto e, se antes já era apática, Ela agora vegetava, passava o dia todo na cama do hospital e às vezes sofria de ataques de pânico. A mãe dela assumira as responsabilidades da criança, mas um ano depois do nascimento do menino, a justiça decretou que o professor ficaria responsável judicialmente pelo bebê.

Hoje, três meses depois da liminar, Ela ainda permanece no hospital a base de sedativos; sente-se culpada por não ter realizado o sonho da mãe que, todos os dias, insiste em jogar isso na cara dela, além de fazer questão de frisar como ela é irresponsável de deixar o neto dela na mão de um safado daqueles, por causa de frescura. Ele, continua levando sua vida normalmente e sua rotina inclui deixar o filho na creche e ir se econtrar com uma aluna para “aulas particulares” em um beco atrás da escola. E foi durante um desses atendimentos especiais que o pequeno bebê foi esquecido próximo ao beco, dentro do carro e, após cinco horas, morreu asfixiado com queimaduras de primeiro e segundo grau. O professor foi acusado, mas se depender da justiça brasileira ficará impune. O bebê, pelo menos, foi para um lugar melhor.

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