terça-feira, junho 14, 2005

 

O rap industrializado...

Dos guetos da Jamaica de 1960, para as mansões americanas em 2005. Não, não falo do reggae, falo do rap – sigla em inglês para rhythm and poetry que quer dizer ritmo e poesia – que ao contrário do que muitos pensam, não nasceu nos Estados Unidos, aonde chegou apenas 10 anos depois, junto com imigrantes jamaicanos que fugiam de seu país devido a problemas políticos e sociais que, inclusive, inspiravam as letras de suas músicas. Na década de 80, chega ao Brasil.

Logo, logo o movimento hip hop (formado pela tríade: rap, que é a expressão musical-verbal da cultura; graffiti, que representa a arte plástica, através de desenhos coloridos feitos nas ruas e o break dance, que representa a dança) se espalhou por todos os guetos e virou a única voz da população de baixa renda marginalizada e principalmente do povo negro. O rap era um luta em busca de condições melhores de vida, as letras eram a principal arma. Pelo menos até alguns anos atrás.

Recentemente, li no Portal do Terra uma matéria falando sobre os chavs, caracterizados como os "manos-brancos", que gostam de hip hop e “têm o visual parecido com o de celebridades do mundo do hip hop. Roupas largas, bonés, e uma certa ostentação de "riqueza" com o uso de correntes e pulseiras de metal(...) e telefones celulares novos e chamativos”. E, de repente, os afros-descendentes engajados que lutavam por igualdade, são representados exatamente por aquilo que mais criticam. Há uma frase da música “Diário de um Detento” dos Racionais MC’s que diz: “Minha vida não tem tanto valor, quanto seu celular, seu computador”, criticando as pessoas materialistas e cegas pelo sistema econômico vigente.

Ainda estou tentando entender. Se alguém souber, me explique. Como é que da noite para o dia, um movimento de mais de 40 anos vira “modinha” entre a classe média-alta e perde toda sua característica e história para cantores milionários com correntes de cifrão penduradas no pescoço e mulheres semi-nuas rebolando em cima de capôs de carros importados e ficam apenas conhecidos como “pessoas que falam palavrão, e usam determinados tipos de roupa”? Já sei. Foi da mesma forma que o movimento dos punks, dos clubbers, entre outros, ficaram tachados como movimentos de “pessoas que usam cabelo espetado e têm piercings” e “pessoas que usam colorido e gostam de raves”, deixando toda a ideologia inicial de lado. Hoje, qualquer um se veste de forma semelhante a um rapper e se diz do movimento, sem saber de nada, sem conhecer nada. Quem dera se os rappers da Jamaica tivessem virado celebridades e saído da miséria que os assola!

É essa a arma do capitalismo para destruir qualquer ação que leve as pessoas a pensarem, refletirem: banaliza qualquer forma de expressão que vá de encontro com seus interesses. É a indústria cultural, que massifica e torna idéias em produtos comercializáveis, sem conteúdo. A partir do momento que um movimento se resume à roupa que seus componentes usam, este passa a ser apenas um estilo que um dia você adere, no outro não. O que me conforta é que tudo um dia sai de moda, aguardo ansiosamente este dia, quando poderemos ouvir novamente o rap de raiz falando de um mundo que cresce cada dia mais, mas que a mídia o esconde cada vez mais.

Comments:
Tenho uma teoria particular a respeito desse assunto. A classe média-alta, os jovens integrantes desta, buscam coisas diferentes pra ocupar o tempo. Assim, querer ser tachados de extravagantes, diferentes. Logo, quando um movimento pequeno, mas "diferente" surge, caem de cabeça nele. Essa classe é uma espécie de beta-tester de modinhas: o que eles consomem e aprovam, logo se alastra para as demais camadas sociais. Então, quando isso ocorre, e o objeto antes adorado, mais pela exclusividade que eles detinham sobre tal, do que por ele em si (daí o esquecimento do verdadeiro significado da coisa), torna-se banal, vão eles garimpar outra novidade.

E assim vai, num processo que vive em constante transformação. Na metade da década de 90, era o grunge, encabeçado por Nirvana e outras bandas toscas de Detroit; depois veio as bandas de punk-rock, com os Blink's da vida... E agora o rap. Cada coisa tem seu tempo, logo se cansam do rap e vão ouvir outra porcaria.

Ainda bem que o rock retrô não caiu nessa, quero dizer, não foi "descoberto". Ver maravilhas como Strokes, Libertines, Vines, White Stripes, entre outras, serem tratadas tal qual o rap é hoje, seria deprimente (pelo menos pra mim, que adoro este estilo de música).
 
Ah, só pra constar, linkei vosso weblog no meu.
 
É engraçado ver como as coisas são tão esvaziadas hoje em dia... tudo perde o seu sentido em detrimento da embalagem...
 
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